"A arte deve antes de tudo e em primeiro lugar embelezar a vida, portanto, fazer com que nós próprios nos tornemos suportáveis e, se possível, agradáveis uns aos outros: com essa tarefa em vista, ela nos modera e nos refreia, cria formas de trato, vincula aos não educados as leis de convivência, de limpeza, de cortesia, de falar, de calar a tempo certo." Nietzsche

Padre Antônio Vieira



"A dor moderada solta as lágrimas, a grande as enxuga, as congela e as seca. Dor que pode sair pelos olhos não é grande dor; por isso não chorava Demócrito, e, como era pequena demonstração da sua dor, não só chorar com lágrimas, mas ainda sem elas, para declarar-se com o sinal maior, sempre se ria. Nada digo que seja contrário aos princípios da verdadeira filosofia e da experiência. A mesma causa, quando é moderada e quando é excessiva produz efeitos contrários: a luz moderada faz ver, a excessiva cegar; a dor que não é excessiva rompe em vozes, a excessiva emudece. Desta sorte, a tristeza, se é moderada, faz chorar, se é excessiva, pode fazer rir; no seu contrário temos o exemplo: a alegria excessiva faz chorar, e não só destila as lágrimas dos corações delicados e brandos, mas ainda dos fortes e duros. Quando Minúcio, livre do cativeiro, apareceu ao seu exército, que era o romano: In laetitiam tota castra effusa sunt, ut prae gaudio militibus omnibus lacrymae manarent¹ - diz Plutarco. Pois, se a excessiva alegria é causa do pranto, a excessiva tristeza, por que não será causa do riso? A ironia tem contrária significação do que soa: o riso de Demócrito era ironia do pranto: ria, mas ironicamente, porque o seu riso era nascido de tristeza, e também a significava; eram lágrimas transformadas em riso por metamorfoses da dor; era riso, mas com lágrimas, como aquele de quem disse Estácio: Lacrymosos impia risus audiit². Na guerra morrem muitos soldados rindo, e a razão é, diz Aristóteles porque são feridos no diafragma: não ria Demócrito como contente: ria como ferido; recebia dentro do peito todos os golpes do mundo, e tão mal ferido ria." 

Padre Antônio Vieira, Cartas

[1] Todo o exército se alegrou tanto, que vieram lágrimas aos olhos dos soldados (Plutarc. in Fab.).
[2] A ímpia (Eurídice) ouviu teu riso mesclado de lágrimas (Estácio, Tebaid., liv. VI, 165).  Imagem: Padre

Antônio Vieira, desenho de Candido Portinari, 1944.