"Eu tinha ido passar alguns dias no campo, na casa
de uma boa mãe de família que muito cuidava
de seus filhos e de sua educação. Certa manhã em que me achava presente às
lições do mais velho, seu governante que muito bem o havia instruído acerca da
história antiga, voltando à de Alexandre, caiu no caso bem conhecido do médico
Filipe, que se pôs em quadro e valia a pena. O governante, homem de mérito, fez
sobre a intrepidez de Alexandre várias reflexões que não me agradaram e que eu
evitei discutir para não desacreditá-lo no espírito de seu aluno. À mesa, não
deixou, segundo o método francês, de fazer com que muito extravagasse o menino.
A vivacidade natural à sua idade e a espera de um aplauso fizeram com que
dissesse mil tolices, através das quais ocorriam algumas saídas felizes que
faziam esquecer o resto. Finalmente ouve a história do médico Filipe. Ele a
contou precisamente e com muita graça. Depois do tributo natural de elogios que
a mãe exigia e que o filho esperava, comentou-se o que tinha dito. A maioria
censurou a temeridade de Alexandre; alguns, a exemplo do governante, admiravam
sua firmeza, sua coragem; o que me induziu a compreender que nenhum dos
presentes via em que consistia a verdadeira beleza do gesto. Para mim, disse,
parece que não há nisso a menor coragem, a menor firmeza na ação de Alexandre.
Não passa de uma extravagância. Então todo mundo se juntou e conveio em que era
uma extravagância. Eu ia responder e me exaltar, quando uma mulher que estava
ao meu lado e não tinha aberto a boca, se voltou para mim e disse bem baixo ao
ouvido: Cala-te Jean- Jacques, eles não te compreenderão. Olhei-a,
impressionei-me e me calei."
ROUSSEAU. Emilio; ou, Da educação,
págs 101 e 102