"Pensamentos dispersos, embora sistematicamente
ordenados, sobre diversos temas".
João Cabral de Melo Neto
"A poesia é a linguagem para a sensibilidade. E
a prosa é uma linguagem pra razão. São duas maneiras muito categóricas
de ver a coisa porque existe uma prosa como a do James Joyce - é uma
prosa que é poesia também - e existe uma poesia como a do Carlos Drummond - é uma poesia que também é prosa, Poesia e prosa
são dois extremos mas exatamente o poeta e o prosador muitas vezes
ganham de jogar em dois lados. O que acontece com muitos poetas é que
eles escrevem os poemas e depois poetizam o poema. Eu tenho a impressão
de que a poesia é uma forma de expressão diferente da prosa e não é
preciso poetizar o poema. O poema bom, o poema verdadeiro já é poético
não precisa fazer poético. A poesia é... nós estivemos falando de
corrida de touros ... aquele meu poema sobre Manolete termina assim sem
perfumar sua flor, sem poetizar seu poema"
João Cabral de Melo Neto
Hannah Arendt
"O
chamado 'tempo livre' neste modo de vida jamais é gasto em outra coisa
senão em consumir; e quanto maior é o tempo de que se dispõe, mais
ávidos e insaciáveis são os apetites. O fato de que estes apetites se
tornam mais refinados, de modo que o consumo já não se restringe às
necessidades da vida, mas ao contrário visa principalmente as
superfluidades da vida, não altera o caráter desta sociedade; acarreta o
grave perigo de que chegará o momento em que nenhum objeto do mundo
estará a salvo do consumo e da aniquilação através do consumo."
Hannah Arendt, A condição humana.
Karl Jaspers - A filosofia no mundo
Mas como se põe
o mundo em relação com a filosofia? Há cátedras de filosofia nas universidades.
Atualmente, representam uma posição embaraçosa. Por força da tradição, a
filosofia é polidamente respeitada, mas, no fundo, objeto de desprezo. A
opinião corrente é a de que a filosofia nada tem a dizer e carece de qualquer
utilidade prática. É nomeada em público, mas - existirá realmente? Sua
existência se prova, quando menos, pelas medidas de defesa a que dá lugar.
A oposição se
traduz em fórmulas como: a filosofia é demasiado complexa; não a compreendo;
está além de meu alcance; não tenho vocação para ela; e, portanto, não me diz
respeito. Ora, isso equivale a dizer: é inútil o interesse pelas questões
fundamentais da vida; cabe abster-se de pensar no plano geral para mergulhar,
através de trabalho consciencioso, num capítulo qualquer de atividade prática
ou intelectual; quanto ao resto, bastará ter “opiniões” e contentar-se com
elas.
A polêmica
torna-se encarniçada. Um instinto vital, ignorado de si mesmo, odeia a filosofia.
Ela é perigosa. Se eu a compreendesse, teria de alterar minha vida. Adquiriria
outro estado de espírito, veria as coisas a uma claridade insólita, teria de
rever meus juízos. Melhor é não pensar filosoficamente.
E surgem os
detratores, que desejam substituir a obsoleta filosofia por algo de novo e
totalmente diverso. Ela é desprezada como produto final e mendaz de uma
teologia falida. A insensatez das proposições dos filósofos é ironizada. E a
filosofia vê-se denunciada como instrumento servil de poderes políticos e
outros.
Muitos políticos
vêem facilitado seu nefasto trabalho pela ausência da filosofia. Massas e
funcionários são mais fáceis de manipular quando não pensam, mas tão-somente
usam de uma inteligência de rebanho. É preciso impedir que os homens se tornem
sensatos. Mais vale, portanto, que a filosofia seja vista como algo entediante.
Oxalá desaparecessem as cátedras de filosofia. Quanto mais vaidades se ensinem,
menos estarão os homens arriscados a se deixar tocar pela luz da filosofia.
Assim, a
filosofia se vê rodeada de inimigos, a maioria dos quais não tem consciência
dessa condição. A autocomplacência burguesa, os convencionalismos, o hábito de
considerar o bem-estar material como razão suficiente de vida, o hábito de só
apreciar a ciência em função de sua utilidade técnica, o ilimitado desejo de
poder, a bonomia dos políticos, o fanatismo das ideologias, a aspiração a um
nome literário - tudo isto proclama a anti-filosofia. E os homens não o
percebem porque não se dão conta do que estão fazendo. E permanecem
inconscientes de que a anti-filosofia é uma filosofia, embora pervertida, que,
se aprofundada, engendraria sua própria aniquilação.
O problema
crucial é o seguinte: a filosofia aspira à verdade total, que o mundo não quer.
A filosofia é, portanto, perturbadora da paz.
E a verdade o
que será? A filosofia busca a verdade nas múltiplas significações do
ser-verdadeiro segundo os modos do abrangente. Busca, mas não possui o
significado e substância da verdade única. Para nós, a verdade não é estática e
definitiva, mas movimento incessante, que penetra no infinito.
No mundo, a
verdade está em conflito perpétuo. A filosofia leva esse conflito ao extremo,
porém o despe de violência. Em suas relações com tudo quanto existe, o filósofo
vê a verdade revelar-se a seus olhos, graças ao intercâmbio com outros
pensadores e ao processo que o torna transparente a si mesmo.
Quem se dedica à
filosofia põe-se à procura do homem, escuta o que ele diz, observa o que ele
faz e se interessa por sua palavra e ação, desejoso de partilhar, com seus
concidadãos, do destino comum da humanidade.
Eis por que a
filosofia não se transforma em credo. Está em contínua pugna consigo mesma.
(Karl Jaspers,
Introdução ao pensamento filosófico, p. 138.)
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